quinta-feira, 16 de julho de 2009

Anjo.

I
Puxou a noite com tanta força que ela acabou desabando sobre ele, que caiu da escada e machucou as asas nas pontas da estrelhas espalhadas pelo chão.
Anjos não dizem obscenidades, mas "merda" não era uma. Acendeu a lua cheia, para clarear um pouco as idéias. O barulho acordou a vizinhança, mas ainda não era dez, e ninguém podia reclamar. O povo lá de cima dorme cedo, quem lambe a noite são os tortos, que também são pardos e gostam de leite. Uma a uma, as estrelas voltavam para de onde não deviam ter saído. Dois sóis esticavam o negro pano. Centauro não era bem ali, mas Sírius nem se incomodou.
Naquela noite, descobriu que nem tudo é como parece ser, e porque estrelas mudam de lugar. Só asim ficou sabendo; quando se fere uma asa a dor dói dentro do peito.

II
Anjos não usam pneus de chuva.
Daí o escorregão na nuvem, o tombo, a asa quebrada e o roxo no sexo, que anjos não têm, dizem, mas deve ser mentira porque dor ele sentia.
Puxão de orelha dói mas em anjo, porque a mão dele é pesada, e orelhas angelicais são feitas para ouvir harpa. A solução para o amassado no arco-íris ainda não tinha, quem sabe oferecendo uma vela para o 'lá de baixo' encontrava uma saida. Apagou a lua e acendeu o sol, meio minguante.
- Merda! (era um anjo desbocado, gostava de falar 'merda.) Descobriram meu lugar secreto.
- Sedna? Tênis amarelos combinam com tunicas brancas?
- Pelo menos não escorregam.
O arco-íris agora, tinha sete cores e um hematoma no azul.
- Mas... você conhece alguém que engesse asas?

III
Acaba que paixão demais embaralha as asas. Daí a trombada em Vênus, mas problema mesmo é o bafo. Nem adianta mastigar estrelas.
Ele não precisa de bafômentro. Castigo; cinco dias ajoelhados em nuvem de chuva e joelhos esfolados.
- Esqueça a promoção pra cupido, anjos embriagados causam estragos em mocinha inocente.
- Mas quem inventou essa de lamber flecha pra dar barato?
Dizem, que lá em cima existe outro jeito de unir gentes, mas está em fase de testes, risco de mutações, corações viram gelo, daí pra chover pedra é um pulo.
- MERDA! (nosso anjo ainda não aprendeu que merda é indelicado para andar em boca de anjo.) Que droga, gosto de harpa na boca.

IV
Lágrimas de anjo viram jujubas. Vermelhas, as de paixão, que são mais saborosas, apesar de mancharem o travesseiro.
Nosso anjo viu os olhos azuis de uma anja e neles encontrou o reflexo dele. Antes de me perguntar se anjos trepam, anjos não tem sexo, mesmo assim fazem amor. Amor de anjo é puro, mas o caminho para Vênus anda cheio de meteoritos que machucam as asas. No depois, não fumam. Balançam os pezinhos, agitam os bracinhos e assim fazem aquela brisa que sentimos no começo da manhã. Toda brisa que bate no rosto das gentes numa manhã de sol é orgasmo de anjo. Sorria para as brisas.
- Merda! (nosso anjo desbocado enquanto enssaca jujubas roxas.)
Jujubas roxas são lágrimas que anjos derramam quando sentem saudades.

V
Estranho habito angelical, esse, de arrancar o própio coração, corta-lhe um naco, enfiar o coração de novo no peito adentro e o jogar o tal pedaço em direção ao sol. Não só porquer a dor é enorme, é que mesmo com toda a tecnologia desenvolvida por ele, para esses casos não se consegue a cicatrização interna.
Niguém sabe porque anjos fazem isso. Dissecados alguns, percebeu-se que coração de anjo se regenera, mas fica cada vez menor e com manchas pretas.
Existe um teoria, pedaços de coração jogados em direção ao sol, por mãos de anjos apaixonados transformam-se em fadas, as mais lindas fadas e modestas do universo. Mas isso é teoria, ver mesmo ninguém nunca viu.
Aparentemente essas fadas, que sorriem com cantinho de boca só são vistas por olhos angelicais, que também sorriem apesar da dor.
Talvez por serem capazes de transformar lágrimas de saudades em jujubas roxas...
- MERDA! Olha o tamanho da chuva que vem por aí...
Sorriso na boca de anjo, dor no peito de anjo, fadas voando em direção ao sol, anjos sabem: Vida de anjo tem de ser assim.

VI
Dois centímentros cúbicos de nuvem.
Duas lagrimas de criança; uma derramada em dia de aniversario e outra no medo do trovão, três colheres de açúcar, uma pitada de três dedos de pó de ouro, duas gotas de lilás e um miligrama de cauda de cometa, pronto! Diz-se que é a receita basica para se criar um anjo.
Muitos tentaram cria-lo aparti daí, não conseguiram pela falta de sopro. O sopro 'dele', e ele depois do sopro põe tudo dentro das mãos em concha e joga para o alto. Dois dias depois eles aparecem, prontinhos, sentadinhos em flocos de algodão doce, sorrindo, banguelas e chupando o polegar, mania que acaba quando nascem as asasinhas, três seculos depois, na adolescencia.
Fase igual está nosso anjo, que tropeça nas estrelas, se esborracha na nuvem mais pesada que o ar, e grita merda, enquanto levanta, sacode as gotículas e dá a volta por cima.

VII
Sangue de anjo é cor de rosa e tem gosto de morango. Xixi de anjo tem sabor de guaraná. Mas anjos não gostam de escatalogia, portanto paremos por aqui.
Anjos, depois de chorarem de medo em meio a tempestades, olham o sol e sorriem com as duas mãozinhas sobre a boca e com Vênus nos olhos é chegado a hora de voltarem as fadas! - MERDA!
E lá vem elas, vestidas de arco-íris e derramando sobre o mundo seus sorrisos quadradinhos. Anjos são uns bobos, porque em tudo veem um motivo para sorrir, e lá está nosso anjo tocando harpa para sua musa, sorrindo e chorando e salpicando as nuvens com bolinhas vermelhas. São lágrimas de paixão virando jujubas, e são tantas, tão rubras que o sol brilha trilhões de anos experientes nesses assuntos.
Veste sua roupa de festa, saca do palitó um pincel e tinge o mundo de lilás. Lilás combina com anjos.

André Gonçalves.

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